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Locomover-se em uma capital é uma tarefa árdua e na cidade de Fortaleza, por exemplo, não é diferente. Com o crescente desenvolvimento urbano da capital, os problemas de infraestrutura cresceram na mesma proporção: são calçadas irregulares, ruas com buracos, problemas no trânsito e transporte público, que dificultam o trajeto de ir e vir dos cidadãos. Além disso, é importante ressaltar que acessibilidade vai além das barreiras físicas, inclui o acesso à comunicação, ao lazer e a educação. Considerando, então, aqueles que possuem algum tipo de deficiência, a dificuldade se agrava.

De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 23% da população brasileira possui alguma deficiência – visual, auditiva, motora, mental ou intelectual – e no Ceará, entre os mais de dois milhões de habitantes, o percentual é de 28%. Dessa forma, o Governo do Estado e Prefeitura de Fortaleza tem desenvolvido projetos e ações que visam amenizar os obstáculos para essa parcela significativa da população.

Entre os exemplos de ações desenvolvidas estão o Cartão Gratuidade para transporte público, com validade de um ano e deve ser requerido no posto da gratuidade na sede da Empresa de Transporte Urbano de Fortaleza (Etufor) e o Centro-Dia de referência, ofertando cuidados pessoais à jovens e adultos com deficiência e em situação de dependência como forma de auxiliar o trabalho dos familiares, além de atividades de convivência na comunidade.

Para a Secretária de Infraestrutura de Fortaleza, Manuela Nogueira, todos os projetos que foram aprovados pela Prefeitura desde 2013, visaram obedecer à legislação e normas de acessibilidade, de modo que facilitasse a vida não só dos deficientes, como de todos os cidadãos. Segundo ela, o Ministério Público, juntamente com a Prefeitura, estão com projetos de adequar prédios públicos e alguns espaços que ainda não são adaptados para deficientes físicos.

Uma das maiores queixas dos deficientes é a irregularidade das calçadas da cidade, que dificultam ainda mais a locomoção. Porém, Manuela afirma que as calçadas são de responsabilidade do dono do imóvel, o papel da Prefeitura é o de fiscalizar e notificar o que não está de acordo com as normas. Desde 2014, essa fiscalização se intensificou, após a criação de um órgão público voltado somente para este fim, a Agência de Fiscalização (AGEFIS). “O que antes era misturado, agora é centralizado com a AGEFIS. Acreditamos que com os anos, essa fiscalização consiga ser bem mais intensa e efetiva”, completa.

Entretanto, ainda há muito a se fazer para melhorar a inclusão e qualidade de vida dessas pessoas. Algumas iniciativas também partem da população que se sensibiliza com a precariedade da infraestrutura urbana para aqueles que possuem alguma limitação. Um exemplo é o projeto “VibEye”, desenvolvido por estudantes da Universidade Federal do Ceará (UFC) e visa dar autonomia para pessoas com deficiência visual a partir de um dispositivo móvel utilizado em conjunto com um aplicativo móvel.

Nessa perspectiva, conhecemos as histórias de Felipe Mendonça, Alanna Alencar e Celso Florêncio, que ilustram para nós um pouco de suas vivências, dificuldades e superações em seus cotidianos na cidade de Fortaleza, pontuando formas de melhoria para uma estrutura urbana mais inclusiva para todos.

Quem vê o rapaz de calça jeans andando pelas ruas da cidade, não imagina como é o seu real caminhar. Não fosse pela calça, alguns notariam: possui uma prótese no lugar da perna esquerda. Felipe Mendonça, 27 anos, foi atingido por um veículo em alta velocidade, levando-o a precisar amputar a perna esquerda.

Possuir uma vida ativa e, de repente, ser surpreendido com a amputação da perna teve forte impacto na vida de Felipe. Mas, desde o primeiro momento, ainda no hospital, teve o apoio da família e dos amigos, até aqueles que não o viam há anos. 

Sinto-me abraçado por todos, quando penso no acidente, percebo que foi só uma pequena queda no percurso, comenta.

 

Como uma criança que aprende a utilizar objetos, Felipe seguiu: Usou cadeira de rodas e muletas, até conseguir uma prótese através do governo, após dois anos do acidente, com a qual foi aprendendo a caminhar novamente. O momento do primeiro passo com a prótese foi um dos mais felizes e ao mesmo tempo, um baque, pois sentiu que não andaria normalmente, mas precisaria se adaptar. Apesar disso, sabia que uma coisa o impulsionava: seu objetivo de continuar vivendo da mesma maneira que antes. Aos poucos, foi voltando a realizar as atividades que fazia, como por exemplo, andar de bicicleta.

Comecei a andar de bicicleta de novo, eu parecia uma criança. Tudo para mim foi como se eu fosse criança novamente, relata.

Além disso, o jovem pratica jiu-jitsu, onde em um torneio conseguiu terceiro lugar competindo ao lado de pessoas que não são portadoras de deficiência. Felipe também teve a experiência de jogar basquete em cadeiras de rodas após um mês nessa condição. “Como sempre fui atleta, foi horrível estar preso numa cadeira de rodas, não poder correr ou pular. Mas, quando você está jogando com todos aqueles caras, se divertindo, você esquece completamente da deficiência. Voltei renovado, se eu estava ficando triste por alguma coisa, depois daquele dia, eu disse para mim que se eu ver isso e não ficar feliz, não ficaria feliz nunca.”, enfatiza.

Durante essa fase de adaptação, passou por algumas dificuldades e uma delas foi a mobilidade na cidade de Fortaleza. Como por exemplo, no transporte público, onde existe a gratuidade do transporte para deficientes, mas esse direito é difícil de adquirir. “Você precisa ir a vários cantos, Etufor, regional da sua área, no médico, não é fácil, tem que ir a vários cantos para conseguir”, exemplifica Felipe. Não obstante, ainda é preciso estar desempregado para ter a gratuidade, que só é válida por um ano.

A altura dos degraus dos ônibus também dificulta a vida de deficientes físicos. Relatando já ter caídos na escada algumas vezes, Felipe diz que, muitas vezes, sente-se invisível para o Governo e para muitas pessoas.

Acho que só somos vistos mesmo, com nossas necessidades realmente contempladas, em fila de banco e supermercado."

 

 

 

Felipe também relata às más qualidade da via urbana, onde existem diversos desnivelamentos, buracos e sujeira pelas ruas.

Eu não ando nas calçadas, ando no meio da rua, que, mesmo esburacadas e com desnível, pelo menos, ao meu ver, estão em melhores condições do que as calçadas, conta.

Hoje, já adaptado, o jovem dirige, namora e trabalha com iluminação e som de festas. Ao ser questionado sobre os planos para o futuro, comenta o desejo de continuar participando dos torneios de jiu-jitsu para conseguir uma prótese por conta própria, que seja nível quatro, com a qual é possível correr. Afinal, seu sonho é competir correndo, mirando ser reconhecido no meio e assim, inspirar pessoas.

COMBATE AO PRECONCEITO

A Associação de Pais e Amigos do Deficiente Auditivo (Apada) é uma entidade filantrópica, civil, assistencial, educacional e sem fins lucrativos com filiais espalhadas pelo território brasileiro. No Ceará, a fonoaudióloga Dâmia Duarte é uma das profissionais voluntárias que coordenam o instituto e busca auxiliar a comunicação total de surdos através da oralização ou da Língua Brasileira de Sinais (Libras).

Dâmia conta que a maioria das pessoas não sabem como agir com a surdez, ficando “sem jeito” quando entram em contato com pessoas com essa deficiência. Para ela, é preciso que haja cada vez mais estímulo ao aprendizado de Libras tanto nas escolas quanto nas empresas para que, de fato, os brasileiros vivam com uma mesma acessibilidade para todos.

A comunicação é um direito humano. Precisamos investir em cada vez mais profissionais aptos a lidarem com pessoas de todos os tipos, afirma.

SERVIÇO

Associação de Pais e Amigos do Deficiente Auditivo (Apada)

Endereço: Av. Bezerra de Menezes, 549 - Farias Brito.
Fortaleza, Ceará - Telefone: (85) 3283-4812

Questões de Mobilidade e Deficiência

A mobilidade urbana para os diversos grupos sociais caracteriza-se como mais do que um direito à cidade: é qualidade essencial de vida

Felipe Mendonça

E quando um grave acidente imobiliza um jovem esportista?
Reerguer-se e construir uma nova vida foi a solução encontrada

Alanna Alencar

Formada, pós-graduada, surda e mãe. Conheça Alanna Alencar, professora de LIBRAS no Instituto Cearense de Educação de Surdos (ICES)

Ela nasceu com surdez bilateral profunda, é oralizada, mas prefere se comunicar na Linguagem Brasileira de Sinais (LIBRAS). Alanna Alencar, 37 anos, conta que até hoje a sua mãe não sabe a causa da sua surdez, apesar disso, sempre teve grande apoio dentro em casa, notadamente nos estudos. Quando criança estudou em duas escolas, uma regular e uma especializada, onde aprendeu LIBRAS, português e despertou enorme afeição pela leitura.

Na sua infância e adolescência, fez amizade tanto com surdos, quanto ouvintes, com os quais mantém contanto até hoje. Quantos aos preconceitos e dificuldades encontrados no roteiro da vida, Alanna os defronta muito bem. 

Eu sempre soube me defender dos preconceitos e até entendo a falta de informação, comenta atentando para a necessidade de ampliar o tema, dessa forma, levando mais informação para a sociedade.

 

Alanna nunca usou implante coclear, apenas o aparelho auditivo, mas já não usa há 10 anos.

Devido à falta de equilíbrio, acostumei com o silêncio.

Ela observa que, na opinião dela, a decisão de colocar o Implante Coclear deve ser do próprio surdo, a partir dos doze anos de idade, e não dos pais, pois isso poderia causar traumas em uma possível retirada do aparelho posteriormente. Além disso, destaca também a falta de investimento nos intérpretes por parte da prefeitura e governo. “Todos os órgãos públicos (Hospital, Posto de Saúde, Fórum, Ministério Público, etc) deveriam tem intérpretes.

Quando utilizava o transporte público, a única dificuldade que sentia era quando precisava se comunicar com o cobrador ou motorista, para informar-se sobre algum local de parada. Alanna diz que, na época, sabia da existência do Cartão Gratuidade Pessoa com Deficiência, mas nunca chegou a possuir. Hoje ela já dirige e até mesmo viaja para Itapipoca, no interior do Ceará, onde é professora EaD na UECE no pólo da cidade.

Alanna graduou-se na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pós graduou-se na Universidade Cidade de São Paulo (UNICID). Ademais, aqui em Fortaleza, ela leciona LIBRAS no Instituto Cearense de Educação de surdos (ICES) e no Filippo Smaldone. Durante a manhã, dedica-se aos pais, ao lar e ao filho, um adolescente de quinze anos. No restante do dia, ocupa-se com a vida profissional. Também nesse âmbito, sugere que para se construir uma mobilidade mais acessível e inclusiva, tudo comece pela educação, como realizar mais concursos da disciplina de LIBRAS para escolas no interior do Ceará, desta maneira, estimulando a população a uma maior interação com a Linguagem Brasileira de Sinais.

Celso Florêncio do Nascimento

Seu Celso Florêncio é cego, artesão e teve suas peças expostas no
Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura por dois anos e quatro meses

Celso Florêncio, 75 anos, passou vinte e dois anos lecionando, hoje não tem mais esse ofício, pois em 2006 começou a perder a visão. Apesar disso, continua ensinando com muito otimismo como viver. Agora é artesão, trabalha com as mãos e sua visão é o tato.

 

Foi em 2008, após indicação da filha, que passou a frequentar o Instituto dos Cegos, hoje chamado de Instituto Hélio Goés, local pioneiro na reabilitação de pessoas com deficiência visual. Como uma de suas maiores vontades era voltar a ler, não demorou a aprender o braile.

Eu tinha tanta necessidade de ler, que aprendi o braile em um mês e meio. Eu sai daqui nas férias e já havia participado de algumas aulas, quando voltei, em fevereiro, já lia alguma coisa, afirma.

 

Também no Instituto teve seu primeiro contato com o artesanato. Durante as aulas, passou a lembrar daquilo que via quando criança, de suas memórias, nasceram sessenta peças. Uma delas, recorda com muito carinho, é a reprodução da Igreja do Rosário. Sua dedicação à arte tornou-se exposição no Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura, onde permaneceu por dois anos e quatro meses.

Em uma das visitas a exposição, a moça que estava apresentando perguntou se eu permitia que as minhas peças fossem tocadas pelas crianças. Eu disse: Lógico! Porque a criança tem o olho no dedo, não é? Se quebrar, eu conserto. E aí ficou mais frequentado ainda, pois antes as crianças iam, olhavam, mas não podiam pegar e saiam, conta.

Seu Celso fala que a sua fortaleza é a determinação, quando se propõe a fazer algo, dificilmente desiste. Participa de conversas, frequenta escolas e faculdades com o intuito de levar conhecimento sobre a cegueira para as pessoas. Para ele, o que existe não é preconceito, mas falta de habilidade para lidar com os cegos.

Se alguém vem falar inglês comigo e eu não sei, a minha tendência é me afastar pra evitar aquilo, do mesmo jeito acontece com o cego, exemplifica.

Questionado sobre a mobilidade e acessibilidade na cidade, expõe que, o pior, é a imobilidade humana, comenta que essa é a mais difícil e para que essa realidade mude, é necessário disseminar informações e experiências com relação à cegueira, dessa forma, modificando ideias pressupostas por algumas pessoas.

Quando é a primeira vez que a pessoa vem aqui, já vem quase preparado que vai chegar no Instituto dos Cegos e vai ter um bocado de cego lamentando da vida. E não é, né, expõe, com aprendizado, a sua veracidade.

INSTITUTO DOS CEGOS
HOSPITAL ALBERTO BAQUIT JÚNIOR

A Sociedade de Assistência aos Cegos do Ceará chega aos seus 75 anos com a sensação de dever cumprido, segundo o coordenador Paulo Roberto Cândido de Oliveira. O Instituto é o apoio que o deficiente visual possui, na cidade de Fortaleza, para continuar inserido na sociedade e mercado de trabalho, como qualquer outro cidadão.

O Instituto visa à educação de deficientes visuais e portadores de visão subnormal, com salas que vão da pré-escola ao nono ano. Possui uma biblioteca em Braille, e um hospital voltado para a área dos olhos.  Além disso, também conta com projetos de inclusão, aulas de dança, e até artesanato, como é o caso do Seu Celso Florêncio, que encontrou no Instituto, o apoio que precisava para voltar a ler e exercer sua arte.

Foto: Amanda Cavalcanti

Foto: Arquivo Pessoal

Foto: Amanda Cavalcanti

MATERIAL PRODUZIDO POR

Foto: Eduardo Maranhão

Foto: Arquivo pessoal

Foto: Eduardo Maranhão

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