A rede balança de um lado para o outro ao ritmo de um típico sábado de descanso. Final de tarde, o calor dá uma trégua, Glaucya levanta, e aproxima-se da varanda do apartamento, apoia os braços e inclina o corpo, sente o sopro de uma brisa que a lembra que sim, Fortaleza é praia.
Procura o horizonte no meio do emaranhado de prédios como que para elevar os pensamentos e emoções.
“Eu tenho um filho em algum abrigo, eu sei que ele está me esperando.”
Não demorou para que o desejo cobrasse a lembrança. Uma mãe em busca do filho que nem conhece. Um amor que ainda não começou a amar. Glaucya e Eugênio eram dois. Mas gostariam de ser três, ou mais. E em quantos poderiam multiplicar-se?
Diante da impossibilidade de gerar um filho pela via biológica, o casal Eugênio e Glaucya Moraes realizou inscrição no Cadastro Nacional de Adoção (CNA) para seguir a risca todos os tramites burocráticos.
“Não queríamos uma adoção à brasileira, sem o ajuste legal”, explica Eugênio.
Entre este primeiro passo e a adoção de fato transcorreram três anos.
PRETENDENTES X CRIANÇAS DISPONÍVEIS
O Cadastro Nacional de Adoção (CNA) é responsável é o responsável pela atualização do número de pessoas pretendentes e crianças disponíveis para adoção. Infelizmente, os índices demonstram grande incompatibilidade devido à preferência e maior procura por crianças com idade entre 0 a 3 anos.
“Eu não pensei mais em ser mãe da barriga, eu só queria ser mãe e meu coração se abriu completamente para a adoção”, relata Glaucya.
Com autorização judicial, três vezes por semana visitavam o abrigo onde Ryan morava. Não houve de pronto, o reconhecimento afetivo mútuo. O garoto se mostrava arredio, pois da forma dele, entendia a investida do casal.
“Eu percebi que ele tinha receio de se entregar e sempre quando saíamos do abrigo era um pouco triste”, lembra a mãe.
- DESAFIOS -
Para além de romantismos e idealizações, o sentimento de medo das profundas transformações no cotidiano do casal os trouxe para um novo enfrentamento:
“Quando o telefone do juizado tocou fiquei com medo, eu meio que amarelei”, confessa Glaucya.
Nesse momento o suporte do Grupo de Apoio á Adoção Acalanto foi fundamental na perseverança e no decorrer das três etapas do processo de adoção: visitas ao abrigo, visitas de fim de semana da criança até a casa dos pais adotivos e finalização do processo. Confira as fotos:
O primeiro ano de Ryan com os pais adotivos foi um momento de adaptação das rotinas para ambos. Não foi fácil, e por um período Glaucya teve o que chamou de “depressão pós adoção”. O filho se mostrou sisudo e com dificuldade de sociabilização.
Os pais entenderam que o tempo do garoto era diferente do tempo deles e investiram numa convivência de qualidade, demonstrando, sobretudo, muita segurança no trato com Ryan. Aos poucos os sorrisos vieram.
Primeira foto juntos | Primeiras visitas ao abrigo |
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Primeira saída do abrigo à passeio | Primeiro passeio com Ryan |
Primeiro fim de semana com o casal | Dia da adoção |
- A GÊNESE DE UM AMOR -
“Tudo foi uma questão de construção ao longo do tempo”, pontua o pai.
E amar é mesmo uma decisão de seguir adiante. Não há de se esperar a perfeição nas relações humanas. Para o amor materializar em ressonância (apesar de toda semântica abstrata do termo) é necessário aprimorar diariamente a habilidade de ceder e exercitar a sensibilidade em respeito às diferenças. É como um jardim que precisar ser cuidado com esmero. Um momento, contudo, é reconhecido por eles como a gênese afetiva na relação entre pais e filho. Durante um dos passeios, a ainda então Tia Glaucya foi ajustar o cinto de segurança e disse:
"- Amor, deixa a tia Glaucya ajeitar o seu cinto?
- Você é minha amor?, respondeu Ryan.
- Você quer que eu seja sua amor?
- Quero.
- Então, eu vou ser seu amor pelo resto da vida."
Glaucya e Eugênio falam sobre a adoção de Ryan. Confira:
- REVOLUÇÕES DO COTIDIANO -
Cearense sai das ruas para abrigar crianças e funda instituição que entre acolhimento e prevenção atende mais de 300 pessoas
Janio nasceu em Juazeiro do Norte e em decorrência da conflituosa relação com o pai, durante um breve período, viveu nas ruas. Com um grupo de garotos deu vazão às experimentações e transgressões que as regras do jogo exigiam.
Converteu-se ao cristianismo e em 1999, já com 24 anos, chegou a Fortaleza para estudar sobre o desenvolvimento de trabalhos sociais em comunidades carentes. Em 2002 fundou um abrigo para crianças que viviam nas ruas da capital cearense. O projeto serviu de embrião para a criação da ONG o qual se dedica hoje, a Missão Vida em Foco, criada em 2005 junto com sua esposa.
“Como muitas pessoas me estenderam as mãos e me ajudaram eu queria também contribuir para resgatar e dar uma nova perspectiva de vida para outras crianças”, explica.
Das dificuldades usou para ressignificar sua história. Os esforços agora são dedicados, além da finalidade abrigo, na prevenção e identificação dos pontos críticos de instabilidade social nas comunidades, evitando que mais crianças migrem para as ruas. Favela do Dendê, Jangurussu e Rosalina tem cerca de 300 pessoas atendidas, entre crianças e seus familiares. São atividades esportivas, reforço escolar, aulas de música, dança e apoio psicológico.
Toda a semeadura de Janio resultou numa escolha que tem contribuído de forma decisiva na mudança de vida de dezenas de crianças. O que está por trás de sua trajetória talvez não seja só essa resiliência nordestina de encarar desertos em busca de Canaãs. Ao deslocar o eixo de sua vida, inclinando-se para o bem comum, faz da sua própria história um poema, uma revolução.
Podemos, de fato, ser uma revolução. Construir sonetos a partir de certas dissonâncias. Insurgir-nos contra a indiferença e o caos dos sistemas. Cubana ou dos Cravos. Woodstock ou um Maio de 68. Derrubar Muros ou Bastilhas. Podemos engendrar ali, na sala de casa, um novo belo tratado em favor da humanidade. Janio segue por esse rumo.
SOBRE A MISSÃO VIDA EM FOCO
A Missão Vida em Foco é uma organização missionária de caráter cristão, interdenominacional, com sede no Brasil (Fortaleza, CE). É formada por pessoas que se dedicam voluntariamente e tem como objetivo o atendimento de pessoas em situação de vulnerabilidade social.
Em quase 12 anos de existência cerca de 30 crianças foram abrigadas pela organização, dessas, cerca de 80% foram reintegradas em suas famílias, além do caso da adoção do Ryan Lourenço. A Missão Vida em Foco atua também, desde 2014, em Cabo Verde, no continente africano.
SERVIÇO
Missão Vida em Foco
Endereço: Rua Professor Vicente Silveira, 1057
Vila União, Fortaleza - CE, 60410-672
Telefone: (85) 3257-3408 | E-mail: mvfcontato@gmail.com
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